Um hobby que pode, em situações de emergência, se transformar na única ferramenta hábil a salvar vidas. Assim pode ser definido o radioamadorismo, uma atividade que remonta ao princípio do século XX e, embora esteja quase sempre fora dos holofotes, ainda é bastante comum. Em Mogi das Cruzes é possível encontrar um grupo de homens e mulheres que mantém essa prática viva. De dentro de suas casas ou veículos eles conseguem se comunicar com as mais diversas partes do Estado, País e até do mundo, e contabilizam histórias de momentos em que, na falta de qualquer outro suporte, puderam ajudar pessoas em perigo.
O radioamadorismo ganhou recentemente as páginas de jornais de todo o mundo, depois que André Sampaio, radioamador premiado, foi o primeiro a fornecer, ao vivo, a notícia da localização do que seriam os primeiros destroços do voo 447 da Airbus. Sampaio é adepto da atividade há 20 anos e reconhecido na Ilha de Fernando de Noronha, já que, ao longo do tempo, auxiliou em salvamentos em mais de 20 desastres aéreos e marítimos. Desta vez não foi possível preservar vidas, dada a amplitude do acidente, mas foi a comunicação estabelecida por Sampaio com embarcações no Oceano Atlântico que deu o primeiro ensejo sobre a localização aproximada da tragédia.
O casal Marco Antônio da Costa e Eunice Mance nunca chegou a se envolver em uma ocorrência de tamanha gravidade. Mas eles se lembram bem do 17 de dezembro de 1994, quando um ônibus com sacoleiros que voltavam do Paraguai para Jacareí se envolveu em um grave acidente no Estado do Paraná, que deixou muitos mortos. Um radioamador foi com seu equipamento ao local da ocorrência, acabou entrando em comunicação direta com Marco Antônio e Eunice e, dali, diretamente, passou a informar a identidade de quem havia morrido, sobrevivido e o estado de saúde dos passageiros. Tudo o que o casal recebia retransmitia para a Defesa Civil em Jacareí.
"Jacareí não ouvia o Paraná, então acabamos entrando no meio. Naquela época as pessoas não tinham celular e as facilidades de hoje. Até todos darem entrada no hospital e a Polícia divulgar os nomes dos mortos e feridos ia levar horas. Conseguimos repassar todas as informações quase que instantaneamente para Jacareí. Me lembro até hoje do frio na barriga, mas foi a partir desse dia que não consegui mais abandonar o rádio", relatou Eunice.
Na residência do casal, o primeiro a se enveredar no radioamadorismo foi Costa. Ele conta que ganhou o primeiro rádio de um parente quando tinha nove anos. A princípio, tinha medo de utilizar o equipamento para se comunicar com terceiros, mas após a "febre" do rádio que surgiu nos anos 70, resolveu investir nesse universo. Até 1980 Costa foi "faixa cidadão", uma categoria mais simples de comunicador via rádio limitada a 60 canais com potência máxima de 7 Watts em amplitude modulada (AM) e 21 Watts em banda lateral singela com portadora suprimida (SSB).
Anos depois ele resolveu subir na hierarquia dos amantes da atividade, regulamentou-se junto a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), fez todos os exames que são requeridos e se tornou, enfim, radioamador. Conforme explica Costa, ser radioamador implica numa série de fatores que têm de ser entendidos e absorvidos, como legislação, ética operacional, telegrafia para emissão e recepção e rádio técnico. "O radioamador deve saber, por exemplo, fazer a manutenção de sua própria antena", frisa.
Para Costa, além do entretenimento garantido pelo rádio, a característica que mais o apetece é o serviço público que ele permite exercitar. "O radioamadorismo é, acima de tudo, altruísta", enfatiza. Como exemplo disso, ele se recorda da aeronave que, há muitos anos, caiu em Biritiba Mirim. Costa tinha o hábito de escutar a freqüência da Polícia, dos Bombeiros e de aviões. Neste dia em específico ele estava "na coruja" da freqüência das aeronaves, quando escutou um piloto que alegou estar tendo dificuldades. Imediatamente comunicou a Polícia e os Bombeiros, que conseguiram ir até o local e fazer o resgate do piloto e seu acompanhante com vida.
Outra ocorrência interessante se deu durante a primeira guerra que eclodiu no Iraque, quando o país ainda estava sob comando ditatorial de Saddam Hussein. Conforme relatou Costa, a organização que regulamenta a atividade dos radioamadores – Liga de Amadores Brasileiros de Rádio Emissão (Labre) – emitiu um comunicado para que todos aqueles que praticassem o radioamadorismo ficassem com os aparelhos ligados em um regime de plantão de 72 horas. "Foi uma medida de precaução, no caso de alguma emergência. O que escutamos com mais freqüência foram as tempestades no deserto", relata.
Diário on line (Mogo Mirim/SP), 15.junho.2009
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